Recém-chegado a Brasília, o turista se aproxima do meio-fio e para diante da faixa de pedestre, à espera de que os carros passem. Acostumado à preferência dada aos veículos, ele demora um pouco para se dar conta de que, na ausência de semáforo, os motoristas freiam diante do aceno de braços do pedestre ao seu lado. A constatação de que, no Distrito Federal (DF), a prioridade é para quem está a pé e sinaliza antes de atravessar uma rua costuma ser uma das primeiras surpresas de quem visita a capital pela primeira vez.
Sustentada por ampla campanha que a associava à segurança no trânsito e a exemplos de cidadania, a prática passou a vigorar no DF em 1º de abril de 1997, ou seja, cinco meses antes da entrada em vigor do Código Brasileiro de Trânsito. Entre outras coisas, o código aumenta de um terço até a metade a pena de dois a quatro anos aplicada a motoristas que atropelarem e matarem um pedestre na faixa ou na calçada.
Com a medida, o Distrito Federal tornou-se referência nacional em educação no trânsito, sendo uma das poucas unidades da Federação onde motoristas efetivamente respeitam a preferência do pedestre. Além disso, segundo o Detran-DF, a medida ajudou a poupar vidas. Em 1996, 266 pedestres morreram atropelados. Em 1997, ano da implantação da faixa e de intensa campanha de conscientização, 202 pessoas morreram atropeladas nas vias locais. Passados 19 anos, o número de mortes caiu para 132 em 2016, uma redução total de 50%, ainda que a frota de veículos tenha aumentado 154% no mesmo período.
De acordo com o Detran-DF, de todos os mortos por atropelamento ao longo dos últimos 20 anos, apenas 3,4% foram atingidos na faixa de pedestres. Desses, as maiores vítimas são os idosos. De 106 óbitos registrados até abril do ano passado, 46 vítimas tinham mais de 60 anos, o que representava cerca de 49% do total registrado até então.
Apesar de ser motivo de orgulho para muitos brasilienses e de ter provocado no trânsito uma mudança de costumes sem paralelo no país, pedestres e especialistas revelam que, ainda hoje, nem sempre a faixa é respeitada.
“A coisa não está mais funcionando tão bem quanto antes. Dias atrás, eu ia atravessando a rua, na faixa, quando um carro avançou o sinal fechado. Ele podia ter me atropelado se eu tivesse atravessado mais rápido”, contou a jornalista Adriana de Araújo Alves, que costuma se deslocar a pé por Brasília. Segundo ela, o desrespeito é ainda mais frequente nas chamadas cidades-satélites.
Peruano que reside no país há 15 anos, o coordenador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru) da Universidade de Brasília (UNB), Pastor Willy Gonzales Taco, considera o respeito à faixa um “cartão-postal” de Brasília a ser preservado pelos governantes e por todos os moradores.
“Infelizmente, a experiência de Brasília não foi replicada em outras cidades do país. Não de forma efetiva, capaz de criar uma cultura que, aqui, acabou por se tornar um ícone para ampla parcela da sociedade. Esse é um dos problemas brasileiros: não valorizar as tecnologias e soluções desenvolvidas pelo país; implementá-las; reproduzi-las e preservá-las”, disse Taco à Agência Brasil.
Para o professor, o efeito positivo da faixa de pedestres é inegável, conforme revelam os números do Detran-DF, mas é necessário mais investimento em campanhas de educação no trânsito e conscientização dos motoristas para evitar retrocessos e para chegar o mais próximo possível do “utópico”, que seria zerar as mortes de pedestres.
“Esse respeito à faixa, seja pelos motoristas, seja pelos pedestres, é mais bem observado no Plano Piloto. Em outras regiões do DF, a situação é um pouco mais complicada. É preciso fazer campanhas, ações concretas e permanentes, envolver toda a população, até que se torne normal para todos ver um veículo dar passagem a um pedestre na faixa, em qualquer região.”
Edição: Graça Adjuto